domingo, 18 de outubro de 2015

look for the girl with the broken smile



Júlia não fazia ideia. Ela vivia sua vida, acordava todos os dias, tomava banho, escovava os dentes e lutava contra seu cabelo rebelde, para depois deixar um "bom dia" no ar enquanto passava pela portaria em direção à garagem. Chegava sempre atrasada com aquele sorriso envergonhado e um cadarço desamarrado, atraindo o olhar de repulsa da chefe que insistia que tênis all-star não se encaixava no "perfil da empresa". Passava horas digitando, colocando ocasionalmente o bocal da caneta entre os dentes quando surgia-lhe alguma ideia valiosa e mordendo o mesmo bocal com uma força considerável quando algo não se saia muito bem. Almoçava todos os dias, pontualmente ao meio-dia, com Andreia, a senhora da limpeza que lhe contava histórias e histórias sobre o "seu Theodoro", o homem que roubou seu coração e que pelo que ela descrevia deveria ser o homem dos sonhos de qualquer mulher. Corria de volta para sua sala, sempre com alguns minutos de atraso, com aquele cadarço ainda desamarrado e entregava sorrindo ao Seu Rodolfo, o segurança, uma embalagem com seu sanduíche predileto. Saia do trabalho às cinco em ponto, com os ombros doendo e a cabeça cheia de problemas não solucionados. Listava mentalmente os itens existentes (e ainda no prazo de validade) na sua geladeira. Atrapalhava-se com as chaves, chutava os sapatos para um canto qualquer e deitava no sofá enquanto a mente vagava e subitamente a fazia lembrar-se de sua solidão. Quando não pensava sobre ela, Júlia era uma mulher muito feliz e completa, mas vez ou outra não conseguia controlar seus pensamentos e sentia-se só. Ela tinha conquistado tudo o que sonhou e na maior parte do tempo era feliz, sim, mas às vezes essa sensação a inundava como um tsunami. O que aconteceu no meio do caminho? O que ela perdeu? Olhava-se no espelho com frequência e listava seus defeitos com precisão cirúrgica. No fim das contas, acabava abrindo a geladeira para pensar e depois de um bom banho e um bom vinho, esquecia-se da visitante indesejada.

Thomas não fazia ideia. Ele vivia sua vida, acordava todos os dias, tomava banho, escovava os dentes e bebia um café forte enquanto lia o jornal do dia e sorria para o horóscopo. "Você vai conhecer o amor da sua vida hoje." Grande bobagem! Só por ser sagitariano hoje iria conhecer a mulher de sua vida? Quem escreveu esse roteiro? Conta outra. Chegava pontualmente às sete horas ao trabalho, com o terno perfeitamente alinhado, e se encaminhava para sua mesa perfeitamente arrumada. Reclamava mentalmente da internet enquanto fazia algumas pesquisas e enrugava a testa ao notar que já passavam das onze e ele ainda não havia terminado o relatório. Alarmou-se com o barulho de sua barriga, alertando-lhe sobre o horário de almoço, e desceu para fazer um lanche rápido no restaurante da esquina. Voltava para sua mesa pontualmente às treze horas e como normalmente deixava o prédio após o horário de serviço, surpreendeu-se ao notar que havia terminado seus afazeres mais cedo. Levantou-se, pegou suas coisas e deixou o prédio. Enquanto assoviava uma canção dos Beatles, fez sinal para um táxi e nem reparou quando uma mulher passou correndo em sua frente e entrou no táxi que havia acabado de chamar. "Acho que esse táxi é meu". Ela sorriu. "Me desculpe". Ele sorriu e finalmente a olhou. Como alguém podia ter um sorriso tão fantástico? E o que dizer daquele cabelo? Thomas queria cheirá-lo. Cheirá-lo? Sim, cheirá-lo. Ele sorriu. "Pode ficar, eu pego o próximo". "Para onde você vai?" "São Valentim, do outro lado da cidade". "Vou ficar no caminho, podemos dividir." Ele sorriu. Ela sorriu. "Claro". Ele entrou no táxi, ela deu o endereço ao taxista e ele deu o dele. "Meu nome é Júlia." "Meu nome é Thomas." 

Eles não faziam ideia.

Um comentário:

  1. isso é real???? meu Deus! daria tudo pra que algo do tipo acontecesse comigo. por mais que eu sofresse no fim de tudo, me renderia um bom conto. hahahahaha.

    apenas adorei, miga! <3

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